Canaletas em crise existencial
Curitiba é famosa no mundo inteiro por efeito de projetos
inteligentes, outros nem tanto, mas significativos para quem habita a capital
das araucárias (restantes). Entre muitas qualidades inegáveis a cidade foi uma
das pioneiras na implantação de um sistema de transporte coletivo com ônibus em
canaletas, devidamente municiados com passageiros via linhas alimentadoras.
Gradativamente esse padrão de transporte coletivo evoluiu, ganhando novos
recursos, ônibus melhores (evoluem sempre) e linhas diferenciadas (ligeirinhos,
interbairros, ônibus articulados e biarticulados, bilhetagem, onda verde,
telessupervisão etc.).
As variações políticas e econômicas, contudo, criaram
períodos bons e ruins.
Talvez o pior tenha sido o açodamento em querer mudar
radicalmente; assim apareceram e foram anunciados para implantação rápida
bondes modernos, trólebus, VLTs, monotrilho, superônibus e, finalmente, o
metrô. Nada aconteceu exceto mídia e custos de estudos e anteprojetos. É
importante registrar, contudo, que um projeto que foi abandonado e teria sido
imensamente útil: o monotrilho num circuito que agora exige trincheiras,
viadutos, oferece ruas sobrecarregadas e expõe perigosamente transeuntes a
atropelamentos. Tudo teria sido minimizado se um sistema elevado sobre trilhos
ou não fizesse a complementação viária que precisamos tanto. Mais ainda, a
Avenida das Torres e outras mereceriam soluções equivalentes, protelando o mais
caro, o metrô subterrâneo.
O que isso significou num período em que os ônibus evoluíram
sem parar, podendo ser muito melhores desde que se criasse um padrão de
subsídio como já o tivemos na formação da frota pública, lamentavelmente
abandonada em poucos anos, foi a ilusão de mudanças e a confirmação do
potencial dos veículos usados aqui, os ônibus simplesmente.
O desafio, contudo, teve momentos de glória em opções
interessantes.
A integração com a RMC veio afetando positivamente a vida
dos moradores da Região Metropolitana de Curitiba e está mudando...
Uma pergunta válida, considerando décadas de existência que
afetaram o desenvolvimento de muitas cidades e seus serviços essenciais, a vida
de centenas de milhares de pessoas e empresas, é se esse povo procurará na
Justiça compensações para as mudanças em curso, algo que não se falava há
poucos anos. Merecem indenizações.
E as canaletas?
Essas estão em crise existencial e com tratamentos
discriminatórios. Manutenção não dá voto, assim a cidade vai ampliando seu
sistema viário com canaletas e tratando mal as mais antigas. De tempos em
tempos vemos recapeamentos asfálticos onde deveria existir concreto ou pelo
menos maior qualidade de serviços.
Recentemente, usando a linha Interbairros II, ficamos
imaginando quanto os ônibus poderão aguentar trafegando em pisos com falhas
graves, pelo menos para os passageiros (vão ainda quebrar o pescoço?).
Vi recentemente um artigo técnico de um amigo falando mal de
nossas “elites” que não usam o transporte coletivo, creio que ele não usou o
sistema fora de horário de ponta, idosos e idosas de qualquer padrão estão mais
e mais “andando” de ônibus. Não mais? O drama é a qualidade das calçadas, a
segurança dos pedestres, a acessibilidade aos ônibus convencionais e hábitos de
alguns motoristas, além de veículos eventualmente ruins mesmo ou
sobrecarregados.
As calçadas são um caso de polícia.
Calçadas, canaletas, vias expressas e laterais precisam
atualizarem-se. O adensamento espetacular da população e serviços, empresas etc.
exige lógicas revolucionárias, mais ainda quando se fala tanto em CO2 (aliás,
as geleiras sempre derreteram e não sobem montanhas...).
Veículos de duas ou três rodas motorizados ou não estão
infernizando a vida dos pedestres e motoristas. Sistemas de policiamento à
distância podem muito quando identificam quem transgride normas de segurança, e
as bicicletas?
Nascemos em tempos em que as bicicletas tinham plaquinha,
hoje poderiam ser chipadas, controladas de outra maneira. É assustador ver até
famílias inteiras circulando de bicicleta pelas canaletas. Atravessar as ruas
por onde circulam esses pilotos é uma aventura. Algo precisa ser feito para
aumentar a segurança de pedestres, ciclistas e até de passageiros de ônibus nas
canaletas. Gigantes (ônibus), se por qualquer motivo perderem o controle
poderão matar muita gente. Vamos esperar um acidente e depois a síndrome Boate
Kiss, quando foram à caça de bruxas numa cidade universitária, portanto capaz
de saber onde e o quê existia de errado para corrigir comportamentos e
estratégias de mobilidade urbana?
Mais uma vez estamos em crise econômica; a correção de
muitos equívocos é possível sem os custos monumentais de linhas de metrô.
Em tempo, qual será o futuro das canaletas? Como serão
mantidas até mudarem de personalidade?
Cascaes
06.8.2015
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